Poderia ter escolhido um título diferente para esse texto, mas não há possibilidade de pensar a saúde do corpo separadamente de tudo que nos rodeia.
Para quem cresceu vivenciando o poder de cura através das matas, das árvores, das folhas, plantas e da lua. Vejo os saberes deixados pelos meus ancestrais resistirem ao tempo.
Entre a alimentação, chás, ervas, cascas, garrafadas e banhos, tudo vai fazendo sentindo nas práticas preservadas pela minha mãe e aprendidas com minha avó. Conexão que é preciso ser mantida, e uma responsabilidade que já assumi para a vida.
O conhecimento sobre os remédios do mato como aprendi a chamá-los desde criança, são vastos e riquíssimos, utilizados na maioria das vezes de forma preventiva.
A seiva ou vinho do Jatobá, tem período certo do ano para ser extraído. É por esse calendário da natureza que planejamos os preparos de xaropes feitos em casa, que ainda recebe o majestoso coração da bananeira, que aliás não pode ser retirado de qualquer maneira.
Já ouvi dos mais velhos que se a pessoa carrega maldade no coração e tenta extrair a seiva do jatobá não encontrará nada, o Jatobá não aceita injustiça!
Os xaropes dependem da florada das árvores nativas e das chuvas, as garrafadas que fortalecem o sistema imunológico dependem do mel produzido pelas abelhas e da preservação da Sucupira e suas favas.
Tudo está conectado para que obtenhamos a condição de saúde, nesta relação vou vivenciando saberes e práticas de cuidado a todo tempo.
Ao anoitecer meus pais já anunciam que é preciso parar, olhar e pedir saúde a Lua nova que desponta no céu:
Lua Nova, lua de São Clemente vista para os meus olhos e saúde para os meus dentes!
Consigo descrever a cura, nos banhos de ervas que mamãe prepara, o cheiro da alfavaca no cabelo, a hortelã do mato exalando pelos poros. É regeneração automática.
Cultura e Saúde se encontram diariamente nas nossas rodas do Tereré, uma bebida de origem indígena (Guarani) e basicamente composta da erva mate e água gelada. Uma guampa recebe a erva e uma bomba leva o liquido curtido em cascas e ervas digestivas conhecidas pelo poder de cura pelo nossos mais velhos.
Nas lembranças de minha mãe sempre surge a vovó preparando para os filhos a casca do Paratudo fervida ao leite e rapadura para o combate de vermes.
Nas minhas, sempre surge minha mãe aos primeiros sinais de gripe e tosse, com chás diversos e as milagrosas gotinhas de óleo de copaíba, um potente expectorante natural.
Esse ano o fogo destruiu milhares de hectares das nossas florestas, que viraram cinzas. Não foi possível pedir saúde para lua, quando a fumaça por dias encobriu o céu. Não sabemos se encontraremos hortelãs do mato, jatobás e abelhas no próximos anos. Adoecemos com o Pantanal, e tememos pelo futuro.
Quem foi que disse que somos seres independentes do nosso meio? Insistimos em separar o ser humano da natureza, e estamos pagando um preço caríssimo por isso, nós e o planeta.
Tal como os órgãos do corpo humano que em mal funcionamento emitem alertas, cada ser vivo desse planeta é um termômetro de saúde.
Lá se foi o vagalume desaparecendo, a chuva que não veio, a mamangava que não polinizou, a onça que fugiu, a cigarra que não eclodiu e silenciou.
E se a nossa saúde depende desse equilibro, no caos o adoecimento também será coletivo.
Na aba de receitas do site compartilho um banho de ervas para as dores no corpo, mas é importante que além do banho, assumamos um pacto de proteção aos recursos naturais e o meio ambiente, para que possamos manter a saúde do corpo e do corpo da terra.
Vídeo - Relato: A saúde do Corpo da Terra
Fran Paula - 07/11/2020.
Qué primor de texto, Fran!